CRIANÇAS PRECISAM DE ATENÇÃO E CARINHO

Ele é um garoto autista de 9 anos com uma inteligência excepcional. Um tanto quanto rabugento, eu confesso. E ele mesmo reconhece. Mas ontem ele me surpreendeu não pela qualidade do seu vocabulário que é fantástica, nem pelo seu dia de “bom humor”, mas por sua aproximação.

Ele raramente interage, pois o social dele não é tão desenvolvido como a gente gostaria que fosse. O que ele mais gosta é assistir os vídeos do “O rei leão”. Ontem após o recreio ele pediu pra assistir e eu deixei.

Desci com ele e o outro aluno que fico para o pátio da escola pra que ele pudesse ver os vídeos. Sentamos na arquibancada e ele foi se aproximando de mim e falando sobre o rei leão. Me perguntou quais as cenas que eu mais gostava ou qual versão do filme eu preferia. Percebi que ele se sentou tão perto de mim que era como se quisesse colo.

Eu estou acostumada com o contato físico do meu aluno que também é autista, porém com o lado social mais desenvolvido. Ele gosta de abraçar, sentar perto e até senta no meu colo vez ou outra. Já o outro é “de poucos amigos”, sabe?

Foi quando ele me surpreendeu. Ele pôs o meu braço em volta do seu pescoço e se recostou em mim como uma criança pequena faz quando quer colo e quer se sentir segura. Assim ele ficou. Ficou bem à vontade e feliz assistindo seu vídeo favorito.

Conversamos muito. Tinha outro aluno que estava no pátio e não queria ficar em sala. E eu disse que aquele aluno estava muito teimoso, desobediente e que não era legal o que estava fazendo. Ele reconheceu e disse que também tinha dias que ele ficava assim, mas que hoje ele não estava nervoso.

Só então percebi algo que não tinha me dado conta devido ao seu “mal humor” de quase todos os dias. Ele também quer e precisa de atenção e carinho. Ele sabe como eu ajo com o aluno que eu fico e está sempre observando. Ele também tem sentimentos, emoções e laços que deseja fazer. Por debaixo de todo aquele mal humor, por trás daquela cara de bravo e jeito meio grosseiro de falar, ele quer se conectar, quer fazer parte, quer se sentir amado e protegido.

Para a minha surpresa ele me abraçou e sorriu mais vezes do que já pude ver. Ele permitiu que eu interagisse com ele. E até interagiu com os dois alunos que estavam no pátio com a gente. Ele e o outro aluno passaram 30 minutos deitados no meu colo, agarrados a mim como se eu fosse a pessoa mais importante, confiável e segura pra eles.

Foi quando percebi que preciso ser mais paciente. Que preciso enxergar além das camadas externas (das aparências). Que por trás de toda pessoa existe uma história. E que todos querem se conectar, se expressar, se sentir amado, seguro. Todos querem proteção, amor, segurança e afeto. As crianças não são diferentes. Elas também querem atenção e carinho. Somos nós, os adultos que precisamos enxergar isso e trabalhar em nós a paciência, e novas formas de se comunicar.

Aquele abraço, aquele aconchego foi importante pra ele, mas foi ainda mais especial pra mim. Sua aproximação me deu uma importante lição sobre a função de educadora. Me trouxe um novo olhar, uma perspectiva diferente sobre paciência, referência e educação.

Aquele abraço expressou mais do que carinho, conforto ou apoio. Significou um “ei, eu também sou gente, tenho sentimentos e quero expressar da forma que sou”.

Posso confessar uma coisa? Foi a melhor coisa que me aconteceu. ❤

Foto: RODNAE Productions

SEM BRINCADEIRA NÃO HÁ EDUCAÇÃO INFANTIL

“Em vez de deixá-lo estagnar no ar viciado de um quarto, que seja todo dia levado em meio a um prado. Lá, que corra, que brinque, que caia 100 vezes por dia, tanto melhor: aprenderá mais cedo a se reerguer.” (ROSSEAU)

Para muitos de nós, adultos, as brincadeiras são apenas um passatempo, uma diversão para as crianças e nada mais. Porém, é por meio delas que as crianças aprendem e se desenvolvem na sua totalidade como ser humano.

É brincando que a criança aprende. Logo, o lúdico, não se trata apenas de um entretenimento infantil e sim de uma forma divertida de ensinar e aprender. Isso é educação infantil. É o cuidado, é o deixar explorar, vivenciar e experimentar o mundo à sua volta. Isso é didático.

A educação infantil compreende uma faixa etária dos 0 aos 5 anos de idade. E toda fase do ser humano é importante, mas é na infância que tudo começa. É na infância que se molda o caráter, a personalidade, o intelecto, o social, o psicoemocional do indivíduo.

Sem brincadeira não há educação infantil. Porque é brincando que a criança aprende como reagir diante de um desafio, como negociar, como ler o mundo à sua volta, como se comunicar, como se expressar. Ela desenvolve seu pensamento crítico, sua capacidade de se relacionar socialmente, ela explora, ela imagina, ela cria e recria.

Brincar constrói conhecimentos. Traz equilíbrio emocional, estrutura o corpo (brincar estrutura e organiza o corpo da criança através de vivências e experimentações no meio). A criança aprende regras e com isso cria-se o respeito por elas e o controle da impulsividade.

Brincar desenvolve a linguagem. Cada vez que ela brinca, a criança se sente mais confiante, mais livre e feliz.

A criança que brinca tende a se tornar mais sociável, mais empática, mais consciente de si mesma e do outro. Então, o brincar não é um mero entretenimento, não serve só para passar o tempo, mas é uma forma de aprender e viver a vida. Uma forma de desenvolvimento físico, emocional, psicológico, intelectual e social do (e para o) indivíduo.

Deixe a criança brincar! Deixe que ela corra, que explore, que caia e que aprenda a se reerguer! A criança tem seus próprios pensamentos, sua própria forma de ver o mundo e ela também precisa de liberdade para aprender.

Roupa suja? A gente lava. A tinta espalhada? A gente limpa. A parede riscada? Pode passar tinta que fica nova de novo. Mas como a gente se comporta diante da criança, se a gente educa ou somente repreende toda hora é que faz a diferença na vida dela. Você corrige ou reprime? Você quer educar ou apenas dizer não sem explicação?

Moldar o caráter, a personalidade, permitir o desenvolvimento social, emocional, intelectual, permitir a imaginação e a criatividade, brincar de forma livre e/ou orientada é o que realmente importa para que a criança cresça saudável e feliz.

A bagunça dá pra limpar e organizar e nada disso é tão importante quanto o tempo de qualidade dedicado as crianças, as oportunidades apresentadas a elas e o sua forma de ensinar, de se relacionar e se comunicar com elas.

As fases da vida não voltam, elas passam e quase sempre num piscar de olhos. Então, saiba aproveitar cada momento junto, cada brincadeira, cada conquista, cada cair e levantar, pois o tempo passa, mas as experiências permanecem no coração e na mente das crianças. Aproveite! Viva! Ensine sim, mas saiba ouvir e aprender também!

Deixe as crianças serem o que são… Crianças!

Deixe as crianças fazerem o que de melhor fazem… Brincar e aprender!

Pense na criança que um dia você foi e ressignifique o adulto que hoje você é. ❤

Foto: Tatiana Syrikova

NEM SÓ DE LIKES VIVE O SER HUMANO

No início era inveja. Eu tinha inveja de quem sabia escrever bem, se expressar, se comunicar. Meu amigo tinha uma participação num blog que eu lia e eu ficava admirada o quanto ele e os outros escreviam tão bem. A naturalidade do escrever, do uso da linguagem de forma tão inteligente e parecia tão fácil, tão nato pra eles. Eu quis isso pra mim também e foi assim que criei o meu blog.

Não foi por hobby. Foi por inveja, eu admito. Naquela época eu queria ser vista, ouvida, lida. Eu queria aparecer como os outros apareciam. Eu sempre gostei de escrever, mas quando eu vi que minha escrita podia ser lida por outras pessoas e até mesmo por pessoas de outros países, meu ego falou mais alto do que minha paixão pela escrita. Logo, eu me vi tão ávida e presa pelos likes.

Eu gostava de ver a notificação de “fulano(a) curtiu o seu post”, cicrano(a) está te seguindo. Aquilo alimentava meu ego e eu me sentia a escritora, a blogueira, a tal. Quando eu via que outra pessoa escrevia melhor do que eu, usava palavras mais bonitas ou melhor colocadas, tinha um domínio linguístico ainda melhor que o meu, ou se comunicava de forma mais inteligente e conseguia alcançar mais pessoas, logo eu me via pequena de novo.

Foi quando eu parei e fiz uma auto reflexão. Deixei a inveja de lado e voltei a estaca zero. E me perguntei: Por que eu escrevo? Pra quem eu escrevo? O like é realmente importante ou é mais importante a reflexão no final da leitura? Quem é mais importante: a vida daquela pessoa ou o joinha que ela deixa e logo esquece?

Nem só de likes vive um ser humano, não é mesmo? Mas a verdade é que muitas vezes a gente se deixa levar. O ego às vezes fala mais alto do que os valores. Às vezes a gente se encontra numa carência de atenção tão grande que a gente esquece do que realmente é importante.

Não estou dizendo que não é bom ter seguidores, curtidas, nem alcançar pessoas de todo o mundo. Estou dizendo que a gente não deve viver em função dos ícones das redes sociais, nem de superficialidades. A gente deve ter consciência de conteúdo, de vida. O que a gente está levando para o outro? Que tipo de conteúdo eu quero passar? Porque do mesmo jeito que a gente é influenciado, a gente também influencia o outro. E aí está o grande desafio, a arte de comunicar, de transmitir, de fazer a diferença. O desafio é levar um bom conteúdo para o outro. Algo que seja bom, útil, agradável, divertido ou que leve o outro a repensar ou até mesmo a pensar.

O fulano muitas vezes só dá o like pela imagem. Às vezes nem leu o conteúdo. As pessoas são mais atraídas pela capa do que pelo conteúdo. A notificação do joinha, do coraçãozinho, do balãozinho, do novo seguidor é bom? É bom, mas não é tudo. Melhor do que isso é quando alguém lê meus textos e se identifica e repensa a vida. Melhor ainda é saber que o meu post alegrou o coração de alguém ou serviu de conforto ou consolo.

No início criei muitas redes sociais por inveja, esse blog foi uma delas. Eu queria aparecer. Hoje eu quero aprender a aprender.

Não é mais inveja, mas também não é um hobby. É uma necessidade de ouvir e ser ouvida, ou melhor, lida. Uma necessidade de ensinar e de aprender. É se comunicar de forma simples e fácil de ser compreendida.

O ser humano não precisa de likes pra viver. Ele precisa de amar e ser amado. Ele precisa de comunicação, interação, de socialização.

Mais do que o like (gostar, curtir) é o live (viver). ❤

Foto: Cristian Dina

MEU AUTISTA FAVORITO

Lidar com criança é um desafio constante e com uma criança autista isso é ainda mais intenso porque ela exige de nós uma adaptação educacional pedagógica, lúdica e intelectual mais ativa. Os comandos precisam ser simples, diretos e firmes.

Não é fácil repetir a mesma coisa 365 vezes por ano, 24 horas por dia, 7 dias na semana, pra ser bem sincera é exaustivo. Todo dia o mesmo assunto, a mesma história, o mesmo filme ou desenho, as mesmas brincadeiras e eles não cansam tão rápido quanto a gente. O “meu autista favorito” tem me ensinado sobre paciência, logo eu, que sou tão “pavio curto” tenho que respirar fundo e desacelerar. Ele também me faz refletir que cada pessoa no universo é única e tem o seu tempo e o seu despertar. Quando vejo sua evolução nas pequenas coisas, seu processo de aprendizagem, mais consigo compreender que a repetição é apenas uma das formas que ele absorve melhor o aprendizado. Existem outras formas de aprendizado? Sim. E cada um aprende de um jeito, o importante mesmo é descobrir as conexões, os interesses e muitas vezes adaptá-los para que não se limitem e avancem cada vez mais no conhecimento e aprendizado ao longo da vida.

Ele assiste o mesmo filme 500 vezes sem enjoar e depois vem me contar o que viu de interessante no filme. Já passei 4 horas o ouvindo dizer a mesma coisa sobre dinossauros, tubarões e baleias. É o que ele gosta e eu percebo sua felicidade em compartilhar o que sabe.

Teve um dia que eu cheguei a pensar que não estava fazendo a menor diferença na vida dele e em seu progresso educacional, até que um dia em sala de aula ele virou pra mim e disse: “Paloma, me empresta o apontador, por favor?” Eu me surpreendi e pedi que ele repetisse a frase, mas achando que ele não faria ou que ficaria bravo, pois geralmente era o que acontecia. Ele repetiu tranquilo: “Paloma, me empresta o apontador, por favor?” Eu emprestei sorrindo e quase chorando de tanta alegria. Parece pouco e um tanto bobo, né? Mas acredite, não é. Ele não falava frases inteiras, apenas palavras soltas. Eu comemorei, lógico! Eu disse: Parabéns, eu gostei de ver! Você falou uma frase inteira, né? E ele disse feliz: Sim.

Outro dia nós estávamos na biblioteca e ele pensou que uma colega estava brigando comigo. Ele se levantou e disse: “Ei, você está brigando com a minha amiga Paloma é? Não faça isso! Eu não gosto disso!” Eu achei fantástico. A percepção dele e a interação com as pessoas e o ambiente melhorou e muito. Como não comemorar algo assim?

Eu sentava ao lado dele todos os dias e tentava no meu possível fazer o meu melhor para que ele se desenvolvesse e não ficasse tão dependente de mim. E como eu fazia isso? Com as coisas mais simples do mundo. Pedia para ir pra sala de aula sozinho e ele ia (eu ficava olhando de longe, claro!); quando ele queria brincar com os colegas eu o incentivava a ir até eles e chamá-los pra brincar e ele ia; adaptava as brincadeiras dele para que nem ele e nem os colegas saíssem machucados porque ele é muito forte e ainda não tem noção de sua força; Usava e ainda uso a técnica dos combinados. Veja bem, eu disse combinados e não chantagem, heim! Trabalhar com a criança os combinados é válido porque ela aprende a negociar, a organizar pensamentos e até argumentos, aprende o valor do trabalho e também da recompensa sem negatividade. Na chantagem a criança sempre espera o bônus pelo “bom comportamento” já no combinado os dois decidem juntos o que vai ser melhor, o que pode ou não ser adaptado e adequado aquele momento. A chantagem trabalha o ego e o próprio interesse enquanto que o combinado trabalha o relacionamento, a confiança, a troca e o benefício mútuo sem que ninguém saia no prejuízo.

Ensinar é desafiador, mas o que não nos desafia também não nos transforma. Ver o desenvolvimento do “meu autista favorito” em sua jornada acadêmica, seu progresso social, a sua evolução na forma como percebe as pessoas e o ambiente é simplesmente maravilhoso. E eu comemoro cada passo, cada vitória porque sei o quanto é importante para ele o fazer parte, o pertencer, o “eu também quero, eu também posso”.

Eu já duvidei da minha importância, do meu papel como educadora, mas quando vejo o avanço na aprendizagem não apenas dele como também de outras crianças e adolescentes que ficam ainda que por um breve momento sob a minha responsabilidade e orientação, sei que estou no caminho certo. E nada me faz mais feliz do vê-los superando os seus limites, indo além do que os olhos podem ver.

Você acha que existe criança difícil? Então, lembre-se de quando você era apenas uma criança tentando se expressar, organizar os próprios pensamentos, adaptar as situações do dia a dia e lidar com diversas pessoas e tantas informações ao mesmo tempo. Alguém precisou ter paciência para ensinar o que você sabe hoje. Alguém precisou sair da zona de conforto e separar tempo, energia, paciência, o sim e o não. Ninguém nasce sabendo e até o último dia de nossas vidas vamos aprender e reaprender muita coisa. Você quer mudar o mundo? Comece com a sua própria transformação. Você quer que a próxima geração viva num mundo mais consciente, mais humano e livre de preconceitos? Ensine-os, conscientize-os e seja exemplo. A muitos anos vejo pessoas sendo excluídas, tratadas de forma injusta, e tendo suas deficiências enaltecidas ao invés de suas potencialidades.

“Meu autista favorito” é 3 vezes mais inteligente do que eu. Eu sei que não parece, mas o meu QI já foi avaliado e a psicóloga disse pra minha mãe: “Olha mãe, não tem nada de errado com a sua filha! O QI dela é excepcional.” Eu tinha 7 anos e a professora achava que tinha algo errado por eu não seguir o “padrão da turma”. Se o meu QI é muito bom, imagina um QI 3 vezes mais elevado que o meu? “Minha Branca de Neve (princesa) adolescente” é ávida por conhecimento. O diagnóstico? Paralisia cerebral. Isso a impede de aprender? Não. Ela aprende da maneira dela e diferente dos seus colegas de sala ela demonstra interesse pelo conhecimento, pelo novo, em superar desafios e vencer e quando erra ela olha pra mim e diz: “Vou tentar de novo.” Eles não são meus filhos. São meus alunos, meus amigos, meus educadores porque eu ensino, mas também aprendo com eles. Nossa didática é única, é divertida, mas ainda tem um longo caminho para percorrer e se eu não puder estar presente que outros possam estar e fazer ainda melhor do que eu em favor deles porque quanto mais eles aprendem mais vale a pena ensinar. Quanto mais eles aprendem, quanto mais inclusão temos e fazemos mais perto do ideal da educação nós estaremos.

Quem de fato é o deficiente? A criança ou adolescente que embora possui uma limitação física, neurológica ou intelectual, mas que da sua própria forma se expressa, se comunica, interage, percebe e segue em frente ou a gente que não compreende essa comunicação, essa linguagem diferenciada?

“Todo mundo é um gênio. Mas, se você julgar um peixe por sua capacidade de subir em uma árvore, ele vai gastar toda a sua vida acreditando que ele é estúpido.”

Albert Einstein 

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