EU ACEITO

Ainda me lembro da minha última conversa com o pediatra. Lembro que aos 12 anos fui ao consultório dele e disse: Tio Márcio, tem algo errado comigo! Minhas colegas já têm um corpo formado. Elas têm curvas e eu pareço que nunca vou desenvolver. Sou uma “tábua”. Ele com sua sabedoria, experiência e com um sorriso me disse: Não tenha pressa! Todo mundo tem seu tempo. E no seu devido tempo você vai desenvolver. Não se preocupe com isso, Palominha!

Eu era magra demais. Pequena demais.

Não tinha nada em mim que eu gostava. Eu me rejeitava da cabeça aos pés.

Eu não me olhava no espelho por mais de 1 minuto. Me achava feia.

As pessoas vivem dizendo pra gente se amar. Vivem falando sobre aceitação do próprio corpo, mas acontece que isso deveria ser trabalhado na infância. Porque é na infância que nossas crenças são formadas e elas determinam quem a gente vai ser. Elas são nossa base, a estrutura interna do nosso eu. É muito difícil se amar e se aceitar quando nos tornamos adultos. É trabalhoso. A gente leva mais tempo do que se fosse trabalhado essa questão logo na infância. Porque o adulto tem muitas feridas, muitas marcas. Algumas estão bem enraizadas.

Minha infância não foi ruim, mas tive minha autoestima ferida muitas e muitas vezes a ponto de realmente me odiar de todas as formas possíveis.

Eu pensava: Se eu me tornar como minhas colegas, se eu crescer mais um pouco e tiver curvas, as pessoas vão me elogiar mais? Vão me reconhecer como um ser humano que também tem sentimentos? Elas vão parar de criticar tanto minha aparência? Elas vão me amar? Me aceitar?

Coisas de fase, né? Pensamentos infantis e carregados de insegurança.

Meu pediatra estava certo. No meu próprio tempo eu desenvolvi. Ganhei curvas e diversos olhares. E confesso que de alguns tipos senti nojo. E outras vezes senti culpa.

Acontece que as críticas não pararam só porque eu cresci. Não importa o que a gente faça ou se torne, haverá sempre alguém pra dizer que você não é suficiente. Não é bom o bastante. Sempre tem aqueles comentários pra te colocar pra baixo e eu costumava aceitá-los por achar que eram verdades sobre mim mesma. Até que um dia eu me olhei no espelho e disse: Quem é você? E eu não soube responder. Onde foi que eu me perdi? Por que eu estou deixando as pessoas me dizerem quem eu sou ou não sou? Por que eu estou fazendo isso comigo?

Foi quando eu disse pra mim mesma que queria uma mudança. Não na aparência, mas na minha forma de pensar. Eu sabia que a visão que eu tinha de mim mesma era distorcida. Eu me via sob a lupa, sob o olhar dos outros a meu respeito. E isso minha gente, é perigoso! A gente muitas vezes pratica a autossabotagem por estarmos sob domínio ou a crença do outro.

Hoje eu me vejo diferente. E sei que mudei tanto por dentro quanto por fora.

Me amo 100%? É claro que não. Tem dias que preciso me olhar e dizer não se sabote. Você é linda sim.

A autoestima saudável é um exercício diário. Você precisa manter o bom hábito pra não se prejudicar, não se sabotar.

Não acontece da noite pro dia e você não fica pleno(a) eternamente. São os altos e baixos da vida, né bem?!

Se eu me aceito como sou? Eu ainda estou no processo de descobrir quem eu sou. Ainda não sei responder aquela pergunta, mas sei que aceito me olhar por mais tempo no espelho. Aceito sair na rua, ir pro trabalho ou até mesmo num encontro de cara lavada e de moletom e não me sentir mal por isso. Aceito tirar o sapato desconfortável e andar descalça se for preciso e isso não me preocupa. Aceito as curvas que hoje tenho e se alguém olhar pra elas de forma indigna a culpa não é minha. O problema está no olhar maldoso e não na obra que Deus criou.

Aceito que não sou obrigada a agradar ninguém. Aceito os elogios e as críticas, mas nenhum deles me prendem mais. Aceito meus cabelos brancos. Aceito que não sou perfeita. Aceito que nem sempre eu ganho minhas batalhas. Aceito que não preciso competir e nem quero. É cansativo demais se provar pro outro o tempo todo.

Não me preocupo mais com o que as pessoas pensam a meu respeito por que elas nem sabem quem eu sou de verdade e não tem a menor ideia das lutas internas e externas que vivi e que ainda vivo.

Eu não posso mudar a forma como você me vê e nem cabe a mim isso, mas posso mudar a forma como eu me vejo e isso é inovador e renovador.

Não quero ser como as minhas colegas (elas também não se amavam só viviam de aparência). Quero ser eu. Apesar da bagunça que eu sou, eu ainda sou bela, sou forte, sou humana, sou uma obra completa só não sou perfeita e está tudo bem. O importante mesmo é o processo. É o aprendizado. É o aperfeiçoamento.

Qual é a parte de mim que mais gosto? Depois do cérebro, sem dúvida é o olhar e a curva mais bonita do meu corpo… O sorriso, é claro! =D

EU NÃO SOU UMA GAROTA TÃO COMUM ASSIM

Certo dia um rapaz virou pra mim e disse: “Você não é bonita nem feia. Você é comum.”

Outra vez alguém disse: “Meninas gostam dessas coisas fofinhas, gostam de maquiagem e de fazer compras sem parar.”

Foi quando comecei a pensar mais sobre mim mesma e descobri que não sou tão comum quanto pareço.

Na verdade, nunca fui como as outras garotas. E não me sinto nenhum pouco mal por isso. Gosto de ser como sou (claro que há muito o que melhorar ainda).

Se você pensar em padrões vai perceber que eu nunca me encaixei em nenhum deles e houve uma época da minha vida que achei mesmo que eu tinha que caber nesses padrões absurdos.

Eu concordo com o que o rapaz falou. Não sou bonita nem feia. Tenho de fato uma aparência comum. Nada que se destaque. Isso na aparência é claro!

Mas nunca fui tão comum como as outras garotas.

Elas gostavam de bonecas. Já eu… Queria ser livre como os meninos. Correr, pular, escalar muros e árvores, jogar bola, fazer algum tipo de arte marcial, essas coisas mais empolgantes. Boneca era só quando ia brincar de casinha (sim eu brinquei muito de casinha) ou quando alguma amiga chamava pra brincar com ela. Mas nunca fui fã (talvez seja porque achava elas estranhas e algumas até medonhas).

Na adolescência eu via as colegas se maquiando, fazendo vários penteados no cabelo, falando sobre namorados. Já eu… Queria apenas jogar vídeo game, ter um All Star, brincar até mais tarde na rua. Eu queria ter um namorado também, mas nunca fui o tipo ideal de ninguém. Eu era estranha demais pra alguém se interessar de verdade.

Eu gosto de coisas fofinhas e delicadas (às vezes). Mas me interesso pelas coisas mais radicais também. Como Bungee Jump, paraquedismo, rapel (embora não tenha feito nenhuma delas ainda), tiro ao alvo, paintball e coisas desse tipo.

Elas costumavam assistir a filmes românticos. Já eu… Preferia ver os de terror, os de ação com lutas e explosões, filmes sobre guerras, filmes com samurais. Eu gostava de assistir um pouco de basquete, hóquei no gelo, os campeonatos de UFC e a fórmula 1. Também gostava das séries de investigação criminal (essas são minhas favoritas até hoje).

Elas sabiam se vestir. Já eu… Não entendia nada de moda. Vestia o que achava que combinava e achava legal. E já fui criticada diversas vezes por não ter um estilo específico e por não “saber me vestir”.

Elas sabiam se maquiar. Se produzir como modelos. Já eu… Sempre fui um pouco desajeitada. Eu era bem vaidosa quando criança. Cresci vendo minha mãe sempre se arrumando, e ela também não deixava a gente sair mal arrumado, sabe. Então, acabei crescendo fazendo o mesmo porque eu achava tudo aquilo incrível mesmo eu não tendo nenhum bom gosto ou senso pra moda. Mas com o tempo se produzir tanto assim se tornou cansativo.

Eu levo mais de 1h pra conseguir me produzir e tentar ficar mais apresentável como nessa foto aí. E eu detesto demorar tanto assim pra ficar pronta pra sair. Odeio chegar atrasada em qualquer lugar ou pra qualquer evento que for. Esse negócio de passar horas na frente do espelho se arrumando, provar todas as roupas do armário e no final das contas não achar nada de bom, definitivamente não é pra mim.

Eu não sou uma garota comum.

Eu gosto sim daquelas pequenas alegrias femininas. Gosto de me ver maquiada, de ver minhas unhas bem feitas, ficar com o cabelo arrumado, vestir uma roupa bonita, fazer compras (e quem não gosta?), mas eu não vivo em função de nenhuma dessas coisas. Hoje prefiro conforto do que beleza. Praticidade do que complicação. Prefiro ser eu do que tentar ser outra pessoa.

Você vai me ver mais de cara lavada do que maquiada e pra mim tá tudo bem. Gente, nem delineado eu sei fazer. Eu faço o básico do básico e olhe lá!

Você vai me ver mais de roupa confortável ou até mesmo de pijama do que numa mega produção de moda e pra mim tá tudo certo.

Você vai me ver mais de cabelo preso (por ser mais fácil) do que com algum penteado elaborado. Até hoje tudo que eu sei fazer são penteados simples (trança, coque, rabo de cavalo e aquele que prende só metade do cabelo).

Compras? Eu faço sim. Mas não vou ficar rodando o shopping inteiro, entrar em todas as lojas que vejo pela frente e comprar feito louca. Afinal, dinheiro não nasce em árvore, né?

Enquanto algumas garotas querem réplicas de bolsas de marca, eu quero réplicas de aviões e caças, navios de guerra, e carros antigos. Gosto de action figures, mangás e basicamente tudo do universo nerd.

Eu ainda gosto muito de jogar vídeo game e jogos online, assistir animes, filmes de ação e suspense, séries policiais, gosto de jogos de trivia e rpg (online).

Sou fã dos super-heróis da Marvel e da DC, e de alguns vilões também. E em alguns casos, até prefiro os vilões do que os heróis.

Minha playlist só não tem funk, pagode, sertanejo, axé e samba. Mas ela vai do rap ao metal. E tá tudo bem. Eu gosto assim mesmo.

A gente não nasceu pra ficar agradando todo mundo.

Cada um brilha à sua maneira. Cada um tem seu ritmo, sua batida perfeita, sua própria sintonia.

Cada um tem seu próprio estilo, seu padrão, e diversas versões de si mesmo.

O importante é isso: Ser você mesmo.

MENINO NÃO BRINCA DE BONECA

Em 2018 eu ficava responsável por auxiliar o Vittor (aluno do 4°ano), um menino do TEA (transtorno do espectro autista) tanto em sala de aula, quanto no recreio ou em outros ambientes (sala de vídeo, quadra, excursões). Certo dia, numa aula de educação física a professora deixou as crianças livres para brincar do que quisessem. Uns escolheram o futebol, outros escolheram seus próprios brinquedos.

Eu estava sentada na arquibancada do pátio observando o Vittor brincar com o jogo dos pezinhos (que pintaram no chão da escola) e de repente ele olhou para as coleguinhas segurando uma boneca e ficou observando por uns 2 minutos quando ele se aproximou de mim, segurou minha mão, apontou para as meninas e disse: Olha!

Eu conhecia bem esse gesto. Quando ele fazia isso era porque ele queria interagir e precisava de ajuda para isso.

Então perguntei: Você quer brincar com elas? E ele disse: Sim.

Me levantei e ele colocou seu braço em volta do meu como era de costume. Me aproximei das meninas e falei pro Vittor pedir pra brincar com elas. E ele disse: Ah, deixa eu brincar com vocês! Me dá isso aqui (a boneca)! Não tá segurando direito.

Eu disse: Vittor, não é assim que se diz. Pergunte assim: Eu posso segurar a boneca? Ele repetiu a frase e as meninas deram a boneca pra ele.

Sabe o que ele fez?

Voltamos para arquibancada e ele segurou a boneca como se estivesse segurando um bebê de verdade, embalou a boneca em seu colo, deu a mamadeira, fez o bebê arrotar e dormir. Sim, ele fez tudo que a gente faz com uma criança pequena. Ele cuidou da boneca como se fosse um bebê de verdade. E ele estava feliz. E eu? Fiquei admirada, é claro!

As meninas chegaram até a mim rindo e disseram: Paloma, o Vittor é doido! Menino não brinca de boneca.

E eu disse: O que tem de tão errado nisso? E elas retrucaram: Boneca é de menina.

Foi quando eu disse que o Vittor não é doido. Ele é inteligente, sensível e “brincar de boneca” não o tornaria menos homem.

Eu disse a elas que os meninos se tornarão homens um dia e consequentemente maridos e pais. Portanto, quando meninos brincam de casinha e boneca com as meninas, eles estão adquirindo responsabilidade, sensibilidade. Eles estão desenvolvendo senso de dever, de cuidado, de proteção. Não tem nada de errado nisso.

Elas entenderam e pararam de rir.

A gente vive numa sociedade complicada, que rotula tudo.

Cor não tem gênero e as brincadeiras também não.

Gênero tem o ser humano (masculino, feminino), os animais (macho, fêmea), os textos (gêneros textuais) e por aí vai.

Assim como nós (meninas) brincamos de casinha e boneca imaginando o futuro, imaginando cuidar da casa, do marido, dos filhos, por que um menino não pode imaginar o mesmo? Por que ele não pode se ver como marido, pai, provedor, cuidador do próprio lar?

As meninas disseram o que muitos dizem e a gente ouve bastante que é: Boneca é de menina.

Mas aí eu te pergunto: E os filhos no futuro serão de quem?

Serão só das mulheres (meninas)? O pai vai simplesmente chegar em casa depois do trabalho e não participar de mais nada? Onde fica a responsabilidade dos pais (que um dia foram meninos)?

Casa e filhos não é algo único e exclusivo da mulher (esposa) é do homem (marido) também. Ele é tão responsável pelo lar e pelos filhos quanto a mulher.

Não é ajuda, bem! É responsabilidade.

A mulher não produz uma criança por si mesma. Ela precisa do homem pra isso e vice-versa (porque nenhum ser humano se multiplica sozinho). Então, por que é só a mulher que é cobrada? Por que ela tem que tomar conta de tudo sozinha? Por que o peso maior fica sobre ela antes, durante e depois da maternidade?

Seus filhos não serão menos homens por brincar de boneca. Muito provavelmente eles serão homens melhores, mais responsáveis e pais de verdade. Serão homens que não vão fugir de compromissos.

Tudo é aprendizado. E quando a educação é orientada, é correta, é ensinada no tempo certo, o que vemos é um ser humano íntegro, respeitoso, sensível, sociável, responsável, e seguro de si.

O Vittor foi devidamente orientado e muito provavelmente tenha segurado um bebê de verdade em seu colo, pois ele sabia exatamente o que estava fazendo apesar de ser uma criança. Como segurar um bebê, dar a mamadeira, fazer a criança arrotar e dormir, ele também sabia como trocar a fralda.

E eu? Sempre o admirei. No tempo que fiquei com ele (o ano letivo) não houve um dia sequer que ele não tenha me surpreendido.

Eu certamente aprendi muito mais do que ensinei e fico feliz e grata por isso. ❤