PAPEL DE BOBO

Existem diversos tipos de linguagem. A imagem é uma delas e muitas vezes fala mais do que as palavras. A imagem a seguir retrata o típico cotidiano de uma sala de aula nos dias de hoje.

Alunos brincando, jogando bolinhas de papel, subindo nas carteiras, destruindo patrimônio público, ridicularizando seus professores são alguns dos comportamentos “normais” de um aluno.

Os pais? Deus me livre! Nós temos medo deles, pois alguns conseguem ser piores que os filhos (os melhores alunos, se é que você entende). Eles chegam afrontosos, carregando em suas línguas palavras ofensivas. Não querem nos ouvir. E como vão ouvir se os filhos são outros dentro de casa? Como vão ouvir nosso lado da história se nos roubaram o respeito, a autoridade em sala de aula, o nosso papel de educar? Nos roubaram o tal do respeito.

Agora estamos ali só fazendo papel de bobos mesmo. A escola virou um circo e nós somos os palhaços. Os alunos fazem o que bem querem, os pais apoiam e nós ficamos sem ter o que fazer, ficamos sem lugar.

Chamar atenção, deixar de castigo, corrigir o aluno, é coisa de professor corajoso, pois quem vê de fora e não sabe a história diz ser justo um processo. Mas esperar o quê de um país onde a educação é só saber ler, escrever e contar? Esperar o quê de um país que avançou em liberdade, em tecnologia, em ciência, mas regrediu no principal que é a educação?

Eles zombam, agridem (física e emocionalmente), fazem o que querem e quando querem e ai de nós, professores, se levantarmos a voz. Aos olhos de muitos, nós não fazemos nada. Aos olhos de outros, nós não significamos nada. E assim caminha a humanidade, uma geração cada vez pior que a outra.

Tenho o direito de ficar indignada ou será que só tenho o direito de ficar calada?

Imagem retirada do site soescola.com

A ÚLTIMA A SER ESCOLHIDA

Alguns dos alunos onde trabalho me fazem lembrar da minha época de escola. Me fazem lembrar de mim mesma naquele tempo.

Eu sempre fui aquela aluna mediana, introvertida e que não revelava minhas verdadeiras habilidades. Sabe do que eu mais lembro? De ser a última a ser escolhida. De ser sempre aquela que a professora tinha que encaixar em algum grupo.

Eu odiava trabalhos em grupo. Os colegas que tinham que me aturar no grupo faziam cara de desgosto, “ah, ela não”! Desde a primeira série até o último ano do ensino médio foi assim. Ninguém gostava de mim e eu não gostava deles, mas tinha que me socializar. Eu estava na escola pra aprender não apenas os conteúdos, mas também pra conviver em sociedade.

No ensino fundamental eu era muito boa em jogar queimada. Era uma das poucas atividades em educação física que eu gostava. Era uma das últimas a sair do jogo, mas era a última a ser escolhida pelos colegas (a que restava) e como isso me frustrava. Eu pensava: Eu sou boa nesse jogo, mas por quê não me escolhem logo?

Por vezes me diminui achando que eu era o problema. Achando que não era capaz ou não era boa o suficiente. No fundo eu queria ser reconhecida. Mas tudo que consegui era ser a última a ser escolhida. Eu tinha amigos sim, mas mesmo eles não viam muita coisa em mim, eu entendo. Afinal, eu não revelava o quão inteligente eu era, nem boa em algo.

Já no ensino médio foi pior. Adolescentes, sabe?! Alguns se destacavam pela beleza, outros pela inteligência, outros nos esportes… E eu não destacava em nada. Se não respondesse presente na chamada nem mesmo os professores saberiam que eu estava lá. Eu não me importava em ser “invisível”. O que me frustrava era fazer parte de algo e ninguém perceber minhas habilidades. Como assim eles não veem que sou boa com as palavras escritas? Como assim não percebem que sou melhor nessa matéria do que na outra? São tão ignorantes assim ou só querem me deixar de lado?

Lembro que uma vez o professor de inglês deu uma prova em dupla e ele me colocou com um aluno muito metido. Nitidamente ele estava chateado por não fazer par com uma de suas amigas. A panela perdeu a tampa. Sabe o que me irritou? Não foi o fato de sentar com ele. Eu realmente não me importava com quem o professor me colocava. Foi ele supor que eu não sabia nada da matéria, não me deixar fazer nada e ainda colar na prova porque as amigas estavam sentadas atrás de nós. Resultado? O pior. Tiramos uma nota baixa e ele riu e disse: “Eu nem precisava de ponto mesmo, já passei”.

Tive vontade de puxar ele pelos cabelos. Eu precisava de pontos. Sabia a matéria melhor do que eles. E acharam que por estar sempre tirando notas altas eram melhores do que eu? Ah, me poupe! Ainda bem que esse tempo já foi. Eu era boba demais. Não tinha uma autoestima saudável, tinha dificuldade em dizer o que realmente sentia ou pensava. Deixava minha própria vida à deriva.

Hoje quando vejo os alunos na escola onde trabalho eu até acho graça. Quando os vejo frustrados digo que vai ficar tudo bem e que numa próxima vez eles se sairão melhor. Faço o melhor que posso pra que a autoestima deles não seja prejudicada. Brinco, cuido, ensino, corrijo, e falo sobre suas habilidades. Não quero vê-los se diminuindo, nem se autodestruindo como muitas vezes eu fiz.

Quero que eles sejam felizes. Quero que olhem pra si mesmos e veja o quão inteligentes e capazes eles são. Porque eles são.

Quando digo que vai ficar tudo bem e que numa próxima vez eles se sairão melhor, não estou mentindo, nem reconfortando. Estou dizendo a verdade por experiência própria. E estou dizendo pra mim mesma. Cada dia a gente pode melhorar um pouquinho. Não se preocupe, vai ficar tudo bem, acredite! 😉

Foto: Pixabay/pexels

EU GOSTO DE VOCÊ

Eu estava insegura, afinal, não nos conhecíamos. Era um aluno novo e eu não tinha muitas informações sobre ele.

Eu já lido com crianças há algum tempo, mas isso não significa que sei tudo sobre elas ou que não me sinto insegura em alguns momentos. Cada criança é única. Elas têm sua própria identidade, personalidade, pensamentos, emoções e sua forma de aprender.

Ele é autista, mas isso não é um defeito, é apenas sua condição. Ele é incrível. Gosta de interagir com todos a sua volta, é participativo nas aulas, muito carinhoso e reconhece quem gosta ou não dele. É inteligente, obediente, sincero, gentil e alegre.

Certo dia ele disse que estava cansado e queria dormir, então eu disse que podia abaixar a cabeça na carteira e dormir um pouco, pois já tinha terminado as atividades. Ele não sabe, mas justamente nesse dia eu também estava cansada (física e mentalmente) e sentindo que não estava fazendo a menor diferença. Foi quando ele agarrou o meu braço e colocou em sua mesa e se deitou sobre ele. Depois ele olhou pra mim e disse: “Eu gosto de você”.

Você gosta de mim? – Sim, ele disse. Voltou a deitar e cochilou por uns 10 minutos sobre o meu braço.

Ele já tinha demonstrado várias vezes que gostava mesmo de mim, me abraçando, segurando minha mão, me dando “beijinho de esquimó” no rosto e me procurando pela escola quando eu demorava a voltar pra sala ou se ele percebesse que estava indo em algum lugar sem ele. Mas até então não tinha usado as palavras. Isso me surpreendeu.

As crianças sabem quando são amadas, são bem acolhidas, sabem onde procurar consolo, conforto, carinho e segurança. Nós somos esse “porto seguro” para elas. Representamos proteção e cuidado. Isso também é educar.

A frase “Eu gosto de você” foi dita a mim por um garoto autista (TEA) de 8 anos que mal me conhecia, afinal, ele chegou recentemente na escola. E ele disse de forma espontânea e olhando diretamente pra mim. Essa sem dúvida foi a frase mais forte e linda que ouvi esse ano.

São essas pequenas coisas que além de aquecer o meu coração me faz acreditar que estou no lugar certo, que estou fazendo algo bom e que ainda que pareça tão pouco, eu contribuo sim no seu desenvolvimento escolar, social, emocional e psicológico.

Ele já me chamou de parceira. E é isso mesmo! Somos parceiros. Um ajudando o outro a se desenvolver, a ser cada dia melhor e a fazer o melhor que a gente pode.

Caminhar é assim mesmo… Um passo de cada vez. É assim que construímos histórias.

Foto: Tara Winstead